A comovente e trágica estória de um amor contraposto,
advinda há tantos anos de nosso lugar que mereceria ser imortalizada em um
filme.
Os protagonistas são Luchetta
(diminutivo de Luca) Zavarise e a bela Agnese (Inês, em português), filha do
Conde de Cornuda, um dos expoentes de nossa nobreza. O conto é ambientado em um
período impreciso da dominação austríaca.
Narram as antigas estórias que
Luchetta Zavarise, um grande e belo jovem de 20 anos, morador de Cornuda na
grande casa Zavarise sobre a colina, é um dia chamado para preparar o jardim do
Conde de Cornuda que morava na “villa” que ficava bem no alto da cidade (atual
casa dos Bolzonello) e que ali a bela filha do patrão, de nome Agnese, pousou
os olhos sobre o jovem jardineiro. Também Luchetta não foi insensível ao
fascínio pela menina. Assim que acabou o trabalho no jardim, os dois jovens se
viram ambos apaixonados, mas impossibilitados de se encontrarem e se frequentarem
por causa das diferentes condições sociais entre as duas famílias.
Recorreram então a encontros
furtivos e secretos nos lugares mais impensados, mas isso não podia obviamente
passar despercebido em um lugar pequeno como o nosso e assim, numa tarde em que
se encontravam em um bosque próximo ao Rio Bianco, o assunto veio a público;
foi um escândalo tamanho que os pais de Agnese, em acordo com os chefes do
lugar e o então pároco de Cornuda, se arrogaram o direito de não apenas tomarem
uma providência pelo resguardo da filha (poderiam enviá-la para o palacete que
tinham em Treviso, ou para uma outra “villa” que tinham em Fanzolo) mas também
pelo resguardo do pobre Luchetta que, no passar de uma semana, foi convocado a
se apresentar ao serviço militar na cidade de Conegliano e dali partir forçado
para Olmis, na Áustria.
Naquele tempo o serviço militar
durava 8 anos, mas para o nosso jovem deveria ser reservado um tratamento
particular. De Olmis, Luchetta foi subitamente transferido para a Boemia e dali
arrolado em companhia de mais outros 30 jovens, na maioria croatas e
montenegrinos, também destinados a ficarem anos e anos longe de suas terras
originais.
O jovem sempre escrevia cartas
para a sua família para informar a todos de seu destino e de sua nova vida, mas
evidentemente que alguém tinha recebido ordens para destruir cada uma delas
antes que partissem. Até a mãe de Luchetta lhe enviou cartas, mas estas tiveram
o mesmo destino das cartas do filho.
A companhia militar à qual era
agregado o jovem não tinha uma sede fixa e eram deslocados de acordo com as
ordens de intervenções. Nem é preciso dizer que no início ele se sentia perdido
no meio de tanta gente, que falava tantas línguas diferentes da sua, mas com o
tempo se habituou aos novos companheiros, os quais mudaram tanto o seu sobrenome
que Zavarise chegou a ser grafado Zàvarich. E assim percorreu Luchetta metade
da Europa sempre a serviço da dinastia dos Habsburg (Absburgo): foi para a
Polônia, Hungria, Galícia, Prússia, e o Mar Negro. Por duas vezes teve a chance
de trocar algumas palavras com alguns conterrâneos que encontrou: um Moretto,
que morava em Crocetta del Montello, e não conhecia os Zavarise nem de ouvir
falar, e um Bianchin dalla Valle, que sabia unicamente que não havia nenhuma
novidade relevante entre os seus.
O serviço militar de Luchetta
durou, assim, 32 anos. De maneira que conseguiu retornar para Cornuda aos 52
anos de idade.
Pobre, de barba longa, desdentado
e cansado, com um nó no estômago, tinha já avistado a colina La Rocca e só
agora seus pés doloridos pareciam ter readquirido a antiga bravura.
Chegou a Cornuda quase pela tarde
e, um pouco mais adiante, conseguiu ver a casa. Aparentemente o lugar não havia
mudado em nada. Somente o rosto das pessoas que estavam por perto conversando e
que ele não se recordava de tê-los visto antes.
Chegou ao Larù (atual Rio Nero)
por debaixo da casa de tal modo ansioso que o coração lhe saltava do peito. Eis
ali o pequeno trecho raso do rio que se atravessava a pé, eis ali a trilha
lamacenta com as pegadas dos animais, eis ali todos os casos, e de dentro da
casa: algumas vozes.
“Sou o Luchetta!”. As vozes
silenciaram e a frase foi repetida. O pobre homem chegou ao pátio e uma dezena
de pessoas o rodearam. “Sim, estou de volta. Depois de tantos anos.” Silêncio.
Ninguém reconheceu a aparência do belo Luchetta do passado, nem mesmo a sua
velha mãe, que esperava há tantos anos o retorno do filho.
Palavras eslavas e alemãs se
mesclavam ao nosso dialeto depois de ser solicitado a dar mais provas de sua
real identidade. E então Luchetta em seu desespero teve uma epifania, que não
deixou mais dúvidas em ninguém: na penumbra da grande cozinha pronunciou em
alta voz os nomes das seis vaquinhas de leite que havia no estábulo quando ele
partiu: Biseta, Colomba, Cerva, Napoli, Bocarda e Tombola!
Ninguém mais tinha dúvidas: era
ele mesmo! Era Luchetta! E então se pôs adiante de todos, chorando, a sua velha
mãe abraçando-o, e depois seus irmãos, seus sobrinhos, as cunhadas, as tias,
todos exceto as crianças que já estavam na cama dormindo.
E foi uma festa, uma grande
festa, que durou toda a noite com muita conversa e todos falando ao mesmo
tempo, impossíveis de se calarem. Depois, ao amanhecer, chegaram também as crianças
que vinham ver este novo tio Luchetta que foi soldado. Naquele dia não se
trabalhou, como também não trabalharam os bois, pois até estes estavam em
festa.
Então chega o momento tão
esperado de pedir notícias de todos. E então na grande cozinha, entre outros
nomes e quase com um estudado descuido, Luchetta ficou sabendo que a Condessa
Agnese estava feliz, casada e que foi morar longe. Um manto de silêncio se pôs entre
todos: foi um golpe. E só agora Luchetta entendia plenamente a sua tragédia e
por que os seus 32 anos de serviço militar.
E então ele blasfemou em mais de
dez línguas diferentes, amaldiçoando no coração todas as autoridades
constituídas, de imperadores a papas.
Enclausurou-se depois disso num
silêncio mudo e desesperadamente se dedicou ao trabalho com todas as suas
forças que ainda lhe sobravam.
Num certo dia que se sentia
particularmente triste, se descobriu pintor e começou a brincar com os pincéis.
Passou a pintar por toda parte,
sem se pretender artista e sem pedir dinheiro, afrescos, portais, etc.
Para Luchetta bastava se afogar,
botar fora toda a raiva que tinha dentro de si.
Também o afresco que havia sobre
a fachada de sua velha casa é obra sua e é preciso reconhecer que não foi
pintada em vão porque ela nos repete uma estória-lenda que merecia ser
recontada.
(Tradução livre extraída do livro
“Ambiente e história de Cornuda”, de Luigi Boscarini e Silvano Rodato)